quarta-feira, 30 de outubro de 2013

PEDRA, TESOURA E PAPEL
~a polêmica das biografias não-autorizadas~


Enfim, eu relutei, relutei, e relutei em entrar neste assunto, mas cá estou, cedendo uma vez mais a certas cobranças que não entendo porque existem, mas, como sou uma "pamonha vencida", vamos nessa, né?! E já que é para me manifestar, vamos fazer isso por completo, e começar do começo...

A raiz de toda e qualquer polêmica é sempre a mesma: má conceituação. Às vezes, é uma coisa congênita (já se parte da premissa errada); ou às vezes, pontual ("conveniente" seria o termo mais adequado). O caso das biografias não-autorizadas me mostrou os dois lados da coisa. Há quem saiba, exatamente, o que significam os termos "liberdade de expressão" e "direito à privacidade", e, sobretudo, os conceitos de "censura", "ditadura" e "democracia", mas gostam de se fazer de desentendidos. E há outros que, sou obrigada a admitir, realmente não sabem mesmo o que são “privacidade”, nem muito menos “censura”, pois cresceram num mundo onde a vida é um Facebook desenfreado, uma terra de especialistas empíricos em tudo, e onde esse tudo se compartilha em detalhes. São pessoas que nunca tiveram necessidade de se preservar, nem de se informar sobre o mínimo (leitura e apuração de fatos estão praticamente em extinção, basta simplesmente curtir e compartilhar). Pessoas que nunca sofreram qualquer tipo de repressão, ou punição por falarem o que quiserem. Talvez, por isso mesmo, achem que o outro tem de viver da mesma forma. 

Eis o tempo das subcelebridades que dominam o Planeta com seus comportamentos esquizofrênicos. Tempo de se viver um Big Brother Global, um autêntico Show de Truman, onde se oferecem bundas a granel, peitos aos quilos, e cabeças vazias (ou cheias de ideias estapafúrdias) aos pacotes. Onde a vida alheia é a prioridade máxima, afinal, pimenta na biografia dos outros é refresco!!!

Ditadura, Censura e Democracia - Ditadura é um regime de governo onde a participação do povo nas decisões que lhes dizem respeito são nulas, ou quase nenhuma. Além do que, o cidadão não pode sequer criticar o sistema, e mostrar a sua insatisfação pessoal/coletiva com o rumo das coisas, senão, "ou o pau come, ou o pai some"... E é isso, de não poder ter voz na sociedade, de não poder verbalizar algo sobre o coletivo (vejam bem, "coletivo"), que é a censura contra a qual personalidades como Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, e tantos outros lutaram durante o golpe militar; o que, pelo amor de Deus, entendam, não se assemelha o mínimo com o que defendem hoje, que é o direito à privacidade, o que tantos tentam chamar de censura prévia. Uma coisa é o mocotó, a outra é a melancia. 

É natural que se oscile entre os extremos para só então se chegar ao equilíbrio. O problema é que estamos cada vez mais longe dele. Saiu-se de uma falta quase total de liberdade para se cair em algo que, acham, ser o completo oposto (#soquenão). Vivemos agora em uma democracia e, vejam só, temos incontáveis livros cheios de proibições taxativas, de regras a serem seguidas, e punições previstas para quem transgredí-las. Regras que garantem liberdade e proteção coletivas e individuais. É um regime de governo onde o povo tem o poder de tomar decisões políticas direta ou indiretamente, através de representantes por ele escolhidos. Portanto, democracia não é o "Parque do Eu-faço-o-que-quiser, e-se-quiser-que-me-processem!”. Qualquer ideia que se assemelhe a simples “o país é livre, então, posso tudo” é um erro crasso ora usado por ignorância, ora de caso pensado mesmo.

Constituição x Código Civil - A pergunta da vez é: "Constituição Federal ou Código Civil: qual vale mais?". E a resposta é: o bom senso! Privacidade é garantia natural de qualquer um, algo superior a qualquer regra criada. E vida privada, todos temos, mesmo as pessoas que têm pública alguma parte de sua vida. Demos a César o que é de César: sua intimidade, fatos da vida pessoal; e ao povo, só o que de fato interfere no coletivo. A Liberdade de expressão diz respeito a seu direito de se manifestar sobre sua própria vida, suas escolhas individuais de foro íntimo; e sobre as questões sociais, públicas, e governamentais. O pronome "se" é reflexivo. Expressar a si próprio, e não o outro. Se quiser usar essa liberdade para falar da vida de outra pessoa, entenda que daí nascerá o direito dela de se entender invadida, ofendida, prejudicada de alguma forma. 

Só que, pelo visto, a este ser só caberá o direito de pedir uma retratação... "É isso mesmo, produção?".

Realmente, é impossível controlar a língua de alguém. E está cada vez mais impossível controlar também o que se posta na internet. É obviamente mais simples deixar livre que prender, pois prender demanda um controle o qual nem todos estão dispostos a aplicar, e nem a se submeter. Agora, convenhamos, achar que você tem o direito liquido e certo de PUBLICAR (lê-se: "tornar público") a biografia de alguém em um livro, e ganhar dinheiro em cima disso, algo que não é seu pertence; e achar que isso é liberdade de expressão, me perdoe, mas vou fazer valer – dentro deste conceito conveniente - minha liberdade de expressão para te dizer que "VÁ À MERDA!!!". 

Cada um tem o direito de gerir a própria vida, e vê-la revelada somente do jeito que quiser, e onde quiser. Nada nem ninguém pode se sobrepor a isso. Justificar sua vontade de fazer da fofoca um ganha-pão como algo garantido pela Carta Magna do seu país é, no mínimo, cretino. Publicações que passam por editoriais, e que vão se reverter em lucro, são os únicos meios verdadeiramente capazes de se controlar e, assim, poder evitar que a moral de alguém seja seriamente abalada. Poder prevenir tremendos estragos. E esse controle é um direito da pessoa cuja vida querem publicar - e arrecadar com ela!. E é infinitamente superior ao direito de qualquer um outro de se expressar. Usar "ditadura" e "censura prévia" como argumentos para defender uma invasão dessas é, mais uma vez, de uma cretinice que me espanta que pessoas esclarecidas não percebam isso. Volto ao ponto onde disse que se fazem de desentendidos, pois lhes é conveniente.

Argumentar que "há leis para reparar danos, mas não há leis para censura prévia", como escreveu recentemente o jornalista Sandro Viana, é outro acinte ao bom senso, ao respeito, e ao caráter. Quem escolheria, ou seria obrigado a fazer um seguro de vida somente depois de morto? E quem pode preferir, ou ser obrigado a pedir apenas indenizações posteriores a se prevenir de ser moralmente ofendido ou prejudicado de alguma forma? O dano moral é irreparável, porque moral não tem preço. Não é porque pode-se conseguir dinheiro ao fim de um processo jurídico que, de fato, significa que a mácula se vai. Dinheiro, neste caso, é somente para se dizer que se fez justiça, que se garantiu todos os direitos; e não para corrigir as perdas sofridas pelo disparate da “liberdade de expressão” publicada em uma biografia não-autorizada, porque o biógrafo, um cidadão da democracia, não podia ser censurado.

Em suma, todos têm de ficar expostos à liberdade de expressão alheia, à exposição pública de coisas que lhe são privadas, pois o único direito que se tem sobre a própria vida é o de processar depois! 

Pedra que se atira, Tesoura que se crava e Papel que se publica são coisas que não voltam atrás... Cuidemos cada um da própria vida; e do próximo, só se for em razão do coletivo!

Maria Eduarda Novaes

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