sexta-feira, 18 de maio de 2018

~ÉBANO AZUL~

O dia sempre raiava, e a raiva da Escuridão se esvaía... Abria a janela azul e ao longe, tudo via: céu azul, montes verdes, pássaros, bichos e um imenso rio a correr... A Escuridão voltava, ainda que um pouco mais tarde, mas minha janela dormia aberta. Eu nunca temi a Escuridão! 

O dia sempre raiava, e a raiva da Escuridão se esvaía... Abria a janela branca, com leve camada de poeira, e ao longe, tudo via: o céu com algumas nuvens, montes quase sem folhas, pássaros pousados em galhos meio secos, e o médio rio com natureza morta a nadar em si... A Escuridão voltava, agora um pouco mais cedo, mas minha janela dormia semiaberta. Eu não temia a Escuridão!

O dia sempre raiava, e a raiva da Escuridão já não se esvaía totalmente... Abria meia janela cinza, com lascas de marteladas, e ao longe, quase nada via: o céu era nebuloso, os montes não estavam mais lá, muitos pássaros dormiam, bichos gemiam, e o pequeno rio estava quase parando... A Escuridão voltava em poucas horas, e minha janela se cerrava por dentro. Eu já era refém da Escuridão!

O dia sempre raiava, e a raiva da Escuridão já dava gargalhadas... Abria o ferrolho da janela negra, mas não a empurrava, pois ao longe, mais nada via: o céu sumiu, os montes sumiram, os pássaros sumiram, e o rio congelou... A Escuridão reinava, e minha janela, já cerrada por dentro, agora era cerrada por fora, e aos poucos serrada por inteiro. Eu já era cúmplice da Escuridão!

O dia sempre raiava, e a raiva da Escuridão voltou a atormentar... Coloquei uma cortina azul na janela, agora remendada; pintei-a de branco novamente, aquarelei um sol e uns montes verdes, e comecei a desparafusar as trancas. Perto, bem de perto, já via pássaros, bichos e o rio voltando a correr... A Escuridão saiu da cama e entrou em coma. Eu me divorciei da Escuridão!

O dia sempre raiava, e a raiva da Escuridão a fez sucumbir... Clareei o azul da cortina, arranquei as travas, abri as duas abas, e ela voltou a ser Azul totalmente; e ao longe, tudo, e muito mais, via: arco-íris, incontáveis flores, frutos, cachoeiras, coelhos, ovelhas, gatos e cães... A Escuridão fugiu pela minha janela nova, e caiu na cova... Eu sepultei a Escuridão!!! 

Maria Eduarda Novaes

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

ILUSÃO: um Sonho natimorto?
(Ainda não sei o que vou ser quando crescer)

"Se o Universo não é um só, muito menos limitado, os Sonhos também não são apenas um, e não devem ter data limite, tamanho mínimo, ou qualquer regulação. Sonhos não são Ilusão, e, mesmo que fossem, Ilusão jamais será um Sonho natimorto, apenas um Sonho exclusivo, que não se compartilha com ninguém mais." - M.Edward War

De berço, já ouvia minha mãe dizer "faça a sua cama!", mas só há pouco entendi que isso sempre teve mais de um significado... "Fazer a cama" não era tão somente alisar os lençóis, esticar a capa protetora e organizar os adornos ao redor; mas também arrancar as grades, elevar sua altura e esticar o comprimento à medida em que eu crescesse. "Fazer a cama" é sobretudo organizar os Sonhos em riste ao longo do dia pra que não morram na Realidade, e, assim, eu possa seguir a construir uma cama para cada um se abrigar, protegido, até nascer. Tecnicamente, então, "fazer a cama" é zelar pelas sementes plantadas, e definir o que a gente vai ser quando crescer!

Será??? 

Eu ainda não sei o que vou ser quando crescer, porque ainda estou crescendo!!! Aliás, eu cresço e decresço, a depender do ponto de referência, e, de preferência, do que mais vantajoso for... Se for no Amor, eu estico; se for na Dor, encolho; mas vai mais é pelo Humor mesmo, porque há dias em que a Dor me faz ser maior que ela, e o Amor me faz rastejar. A depender da ideia, a coisa também complica, porque, se uma vizinha comigo implica, por pura pirracinha, faço logo o oposto do que ela retrucou! Porque assim sou: de momento a momento, um entra-e-sai de implementos, complementos, e inadimplementos.

Já quis ser um jornal, mas quando soube que não seria apenas boas notícias, me deprimi em vez de me imprimir. Já quis ser astronauta, mas ao saber que o céu é "O" limite, desisti! Já quis coisas arriscadas, certinhas, delirantes, cansativas, mesquinhas... Já fui da escassez ao desperdício numa mesma régua. Já quis ser uma guerra sem trégua. Já quis nascer aposentada, e morrer no auge da produtividade. Já quis ser cozinheira e curandeira, fervendo um caldeirão de salubridades. Já quis ser mágica ou detetive, autofágica ou uma curva em declive. Já quis ser dona de Tudo, ou no mínimo a sócia; vestindo saia de veludo num balão na Capadócia. 

Aprendi a fazer várias camas, e das mais variadas maneiras; e percebi que quanto mais as ampliava, menores ficavam os cobertores: se puxar daqui, descobre ali... Descobri! EUREKA!!! Foi-se a proteção do Mistério, e foi-se também a exclusividade, porque não dá pra caber de volta nele se não juntarmos retalhos de outras Quimeras. E é nesse novo construir que a gente enfim percebe que Sonhos dormem em camas flutuantes, e se cobrem com a própria teia de seda que não cessa jamais de crescer!

Por isso, ainda não sei o que vou ser quando crescer. É que quando achei que já havia crescido e me tornado uma escritora, me vi sendo nada mais que um livro inacabado! Sou um eterno Sonho que abriga a Realidade, a Fantasia, a Certeza e a Ilusão; e ainda uma última página em branco a acolher um novo querer, bem como aquele eterna inconclusão...