domingo, 4 de março de 2012

Peter, querido...

Talvez você não entenda agora, ou talvez até entenda, e, por isso, sinta dor; mas não se desespere porque isso passa, e no fim vai ser bom! ... Bem, como pode ver, eu parti! Você bem que tentou me manter aí, sem amarras, só na base do convencimento de que a nossa liberdade podia ser eternamente pacífica além de pacificamente eterna; de que nossa felicidade era uma pura questão de opção. Você sabia que algemar-me ao pé da cama tiraria aquilo que de mais belo você via em mim, além de nosso maior objetivo: o voo livre. Você sabia que eu tinha de voar, mas temia que eu fosse para longe. E se eu voasse rumo ao desconhecido e me perdesse? E se, assim, eu me ferisse gravemente, eu chorasse, eu sofresse? Você precisava me proteger... Por isso você me vendou! Às cegas, eu voaria só ao sabor do vento, sem perspectivas de um mundo totalmente diferente de tudo isso aí. Você sabia que às cegas eu bateria num muro aqui, noutro ali, ganharia alguns arranhões, derramaria algumas lágrimas, mas nada além do que eu não pudesse suportar. E além do mais, você estaria sempre aí para me dar colo, curar as feridas e secar meu pranto... Mas o que a gente não sabia, Peter, é que a cada choque contra um obstáculo, a venda iria se afrouxar. E aos poucos, a luz iria entrar. E de algumas barreiras eu já ia conseguindo me desviar, esbarrando apenas nas menos ou quase nada visíveis... Aos poucos, eu ia trocando uma dor por outra. Os galos na cabeça já não doíam tanto ou mais que a luz forte nos olhos, despreparados e desprotegidos. Quando a venda caiu inteiramente, ao invés de ganhar a visão completa, ganhei a cegueira absoluta. De início, nem força e coragem para voar eu tinha. Não confiava nem mais no vento, meu amigo-guia, que de tantos obstáculos me livrou. Mas quando os olhos já podiam se abrir, e o mundo se fez claro, achei que tudo era simples assim. Se havia tanta luz é porque não havia barreiras ao redor. Eu podia voar segura, com força total, autonomia e autoridade. E foi o que fiz: voei, voei muito, sem nem perceber o quanto; até que a claridade plena se dissipou e me mostrou tantos caminhos diferentes, inúmeras direções que eu não sabia qual escolher, e precisei de alguém para me orientar. O vento podia seguir para qualquer lugar ali, mas só poderia me levar junto para um deles, e não poderia me resgatar se eu não gostasse de lá. Precisava de alguém que me dissesse para onde era seguro ir... Foi quando vi que estava só! Não havia mais você, nem nenhum dos nossos irmãos... Eu tive de escolher sozinha, e sabia que sofreria sozinha também o resultado dessa escolha. Foi então que decidi voltar, e descobri ser essa a única escolha que não me cabia, afinal, estaria voando contra o vento. E foi enquanto insistia nisso que entendi que não saía do lugar. Que a Terra do Nunca não me pertencia mais. Não teria forças para vencer a natureza. Eu sucumbiria ao cansaço. Eu morreria em vão... Entendi que só me restava viver no novo mundo, que, justamente por ser novo, tanto me amedrontava. Pedi ao vento então para trazer você pra cá onde agora estou, pois está tão difícil viver sem você. Está tão duro lidar com as dores da insegurança, do medo, da solidão. Mas o vento me ensinou que ele não pode trazer consigo quem ainda não está pronto para isso... Pronto como??? Para isso o quê??? Nunca me senti tão perdida, tão carente, e com tanta gana de morrer tentando voltar atrás... Até que novos irmãos foram surgindo, e novos ventos iam me ensinando novas formas de voar, e os caminhos já feitos me cederam atalhos para eu sentir que construía meu próprio caminho, onde eu saberia voar como ninguém. E foi voando que pedi ao vento para te entregar essa carta, para que soubesse que me machuquei, que doeu muito, sofri, chorei, e cheguei até a me arrepender. Mas porque não me permitiram voltar, construí hoje meu caminho, e fico feliz em saber que um dia você terá alguém para te guiar no seu longe, coisa que eu não tive. Não posso voar por você, nem dizer para onde irá, mas posso fazer de seu caminho algo menos penoso, menos perigoso; pois posso, sim, te dar carinho e coragem até te encher de vontade de vir brincar aqui! ... Não tenha mais medo, pode vir! A hora é essa! Quando o vento fizer a curva, pegue carona com ele! ... Mas se não quiser, tudo bem. Não posso mudar isso, não vou insistir. Só me restará então dizer a ti “Adeus, Peter... EU CRESCI!”.

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