Portadora de Necessidades Espirituais
(como é ser uma deFÉciente)
Eu julgo que sim, sou deFÉciente! Eu carrego uma crença que sabe que é cega de um olho, surda de um ouvido, manca de uma perna, e tantas vezes incapaz de brilhar no escuro...
Minha FÉ sabe bem que já é uma senhora idosa que nunca chegou à puberdade; que se curva diante da Vida por culpa de um bico-de-papagaio (daquele que só sabe repetir padrões); e mora num armário de costura, a colecionar milagres esmigalhados e pedaços de papéis rasgados exibindo desejos riscados, passando os dias a remendar tudo com linhas mais resistentes...
Minha FÉ é apelido de Febre, que me sobe de repente, esquentando a cabeça, escancarando os poros, e vazando linfas por todos os orifícios. Uma força que já vestiu camisola de hospício, e que quando ora, ora lubrifica, ora seca meus olhos, como quem mira o Solstício...
Minha FÉ entende bem - mas preferia ignorar - que não há fórmula única que sirva a todos, que não há uma resposta universal que responda a qualquer pergunta, e que nem mesmo ela fala todas as Línguas. Por isso, já gastou muito dinheiro à toa tentando aprender com o espelho dos outros, mas também se desfez de outros tantos na certeza de ter o que ensinar! Porque ela quer ajuda, mas também sempre quis ajudar...
Minha FÉ troca os turnos regularmente: dorme à luz da razão, e acorda na sombra da dúvida, onde, aliás, já realizou muitos sonhos que sequer ousou sonhar minimamente. Já colocou sal no suco, seguiu quem se autodeclarou `perdido´, decorou um livro escrito em páginas em branco, confundiu justiça com vingança, e tomou banho de inseticida como forma de descarrego... É pedra mole embaixo de água dura, e vê nisso um aconchego!
Mas minha FÉ
Tem dia que extrapola,
E legaliza a Brisa...
Só que, indecisa,
Termina por voar
Trancada na gaiola!
É que ela se vê tão pequena e frágil, com direito a apenas duas letras, quando merecia carregar o alfabeto inteiro dentro de sua invisível sacola!
...Mas é que isso de cuidar do Depois nunca depôs sua fixação por não dar um passo sem explicação! Por isso, a minha FÉ é uma membrana fibrosa, é uma brega das mais estilosas, é uma ciência humana que sabe ser exata, só não sabe exatamente quando ser... Minha FÉ já foi a Cruz de quem chegou ao apogeu.
É cada partícula de lembrança das coisas que todo mundo esqueceu!
Maria Eduarda Novaes
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