~ GUTO E O BALÃO ~
"Acorda, menino, que os sonhos do lado de cá também são muito bons"
Guto sempre gostou de Sonhar!
Quando bebê, ele dormia demais, sempre esboçando um sorriso no rosto. Durante anos, sua cama foi palco de batalhas épicas, de viagens interplanetárias, de espetáculos de dança, e pelo menos uma final de Copa do Mundo por semana. Acordar, pra ele, sempre foi a maior de todas as torturas. Quando chegava a hora da escola, e o despertador tocava, Guto entendia por que aquele objeto tinha o nome que tinha: ele "desperta a dor" que mora nos que não podem mais sonhar...
Ainda muito pequeno, já trocava qualquer tempo livre por um cochilo, exceto quando seu avô estava por perto. “Acorda, menino, que os sonhos do lado de cá também são muito bons", dizia o vovô Johnny sempre que via o neto de olhos fechados. A Fazenda Ilusão era mesmo um sonho à parte, e Guto sabia disso desde muito cedo. Foi lá que virou amigo inseparável de Utopia, uma galinha das mais "conversadeiras", e também de Quimera, uma lebre agitadíssima; companhias perfeitas pra estripulias e peraltices de todos os jeitos.
Seus nomes foram duas coincidências interessantes. Quando criança, Guto se chamava de "Uto", pois ainda não sabia falar o "G". E sua galinha de estimação ainda era uma pintinha bem piadeira, que ele amava imitar. “Agora essa! Uto pia o dia todo, quem aguenta?", disse a vovó às gargalhadas; o que inspirou o vovô a batizar a amiga piadeira do menino sonhador com o sugestivo nome de Utopia. Com a lebre, foi bem parecido. Muito rápida, ela corria demais, e o menino corria atrás sem conseguir alcançá-la de jeito nenhum, dizendo “espera, espera!". Como ainda era pequeno demais, parecia dizer "imera, imera", e o vovô, mais uma vez, associou o nome da amiga a algo bem típico do universo dos sonhos, chamando-a de Quimera.
Guto, Utopia, Quimera e vovô Johnny eram o autêntico Dream Team (O Time dos Sonhos). As brincadeiras iam de mergulhos nas 20 mil léguas do laguinho das piabas até a construção de um Super Balão, que levaria os quatro aonde quer que eles quisessem ir.
Vovô pediu à vovó alguns retalhos, linhas, agulha, barbantes e cola. E da sua oficina, pegou alguns pregos, parafusos, e uns bons pedaços de madeira. Utopia bicava as madeiras até fazer furinhos por onde passariam os barbantes, Quimera roía as bordas para um perfeito encaixe das toras, enquanto Guto e vovó costuravam os retalhos. Demorou um longo tempo, mas num finzinho de tarde, ele ficou pronto. A noite veio, e o encantamento de todos era imenso. Era tão agradável, que decidiram acampar ao lado pra ficarem mais tempo contemplando o Expresso Fantasia. Acenderam uma fogueira e ali permaneceram por horas, admirando cada pedacinho, só esperando o dia amanhecer pra saírem voando.
Foi então que todos pegaram no sono, menos Guto, que não resistiu e decidiu deitar sobre a grande pedra que havia se tornado a base do balão, e ficar bem embaixo do imenso pano colorido, só imaginando onde seria o primeiro lugar pra onde iriam. Mas de repente, um vento forte soprou por ali, passou pela fogueira e levou o fogo todo pra dentro do balão, fazendo-o voar, e voar e voar, cada vez mais alto e cada vez mais longe...
"Deu certo! Deu certo!"
Guto era o retrato mais fiel da felicidade. Ele via o mundo cá embaixo ficar pequeninho, enquanto seu sonho ficava cada vez mais imenso, a ponto de não se ver o fim. Mas ele não queria sonhar só. Nunca quis. Ele queria seus avós, Utopia e Quimera bem ali com ele, mas não sabia como voltar pra buscá-los. Foi quando ele teve uma ideia: dormir pra poder sonhar com mais força ainda, e fazer o balão voltar pra fazenda pra buscar todo mundo. Funcionou! Quando ele acordou, todos estavam com ele, e também seus pais e sua irmã.
“Entrem, entrem logo, é muuuito legal lá em cima. O Sonho é tãããooo grande, vocês vão adorar conhecer! Vamos!!!”
Guto não entendia por que eles só choravam e riam ao mesmo tempo, e o abraçavam apertado, como se comemorassem o feito; mas não queriam subir no balão.
“Está quebrado, meu amor. Não vai mais funcionar, esqueça isso!”
Sua mãe, aliviada por ter o filho de volta à terra firme, tentou convencê-lo a sonhar apenas sob a supervisão de seu travesseiro, e Guto ficou inconsolável. Queria a ajuda de todos pra reconstruir o balão, e não entendia o medo deles, mesmo de Utopia e Quimera. Não teve outra escolha senão catar, sozinho, cada retalho, cada pedaço de barbante e começar a reconstruir sua máquina mágica, até que percebeu que um sonho sonhado por tantos nunca poderia ser realizado apenas por um. Ele precisava arrumar um sonho que fosse só seu, mas sabia que a lembrança daquele dia não poderia se perder jamais...
Guto colou cada pedacinho dos retalhos e dos barbantes reproduzindo a imagem do balão na maior parede de seu quarto, fazendo de seu cantinho um lugar de sonhos de olhos fechados e sonhos de olhos abertos. E em cada pedacinho de retalho feito papel, ele anotava seus desejos – os antigos e os que iam surgindo a cada noite – ora com as letras, ora com desenhos, para retratar aqueles sonhos que só a gente sabe “ler”, portanto, palavras de nada adiantam. E quando enfim não havia espaço para um rabisco sequer, Guto percebeu que uma coleção de sonhos nada mais é que uma grande conquista; e que sonhar, por si só, já é viver um sonho.
Nasceu, se espelhou numa Utopia, perseguiu incansavelmente uma Quimera, e cresceu... E enfim entendeu que se o sonho nunca sair do papel, tudo bem, é só aprender a amar o papel, a colori-lo com esmero, a colar partes que rasgaram, a desamassar e restaurar os mais antigos, porque há sempre mais de uma maneira de se sonhar o mesmo sonho.
Se um sonho nunca sair do papel, tudo bem, é só levar consigo partes dele na mochila para ter sempre o cheiro, a textura e as cores de cada momento, porque cada momento é único!
Por isso, aquele balão nunca mais voou, mas também nunca deixou, e nem deixará de existir...
Maria Eduarda Novaes
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