sexta-feira, 2 de junho de 2017

~A CAIXA DE PANDORA~

Ela sabia que dentro de si carregava uma caixa com tudo: dores, rumores e amores. As dores só lhe traziam lágrimas, os rumores só lhe traziam medos, mas os amores lhe traziam bonança, segurança e esperança... Por tantos anos, Pandora sabia que se abrisse sua caixa por míseros centímetros em meros segundos, poderia ao fim reter apenas as dores ou apenas os rumores. Reter os amores, como desejava, seria uma loteria na qual ela não queria confiar. Ou melhor, querer ela queria, mas não conseguia confiar... E tantas foram, então, as artimanhas que Pandora criou para tentar enganar a Probabilidade. A primeira foi maquiar as dores e os rumores pra que a todos parecessem amores. As lágrimas passaram a cair sobre sorrisos, e os tremores do medo viravam pulos de euforia. Assim, acreditava ela, poderia enganar até mesmo os próprios sentimentos, que não mais se reconheceriam no espelho, entrariam em crise existencial, brigariam entre si; e nesse mata-mata, só restariam os amores, pois "o Amor sempre vence", não é? Mas logo viu que isso não deu nada certo, porque todos ainda sobreviviam, e os amores passaram a lhe doer, amedrontar, e isso tanto lhe confundiu a mente. Ela então chorava sem saber o porquê, sentia dores onde antes só reinavam torpores e suspiros, e estranhamente sentia amor por coisas que só sabia desprezar. Pandora então acabou com as maquiagens, e as dores voltaram a ser só dores - assumidamente fortes - e os rumores praticamente a congelavam, mas os amores ganharam novas faces. Ela custou a entender e a aceitar que eles literalmente se misturaram aos demais, e, dali por diante, as dores sempre lhe trariam lágrimas, os rumores sempre lhe trariam medos, mas os amores também lhe doeriam e estagnariam. Pandora passou a sentir medo do amor e a sofrer com ele, e assim ela não via mais vantagem em reter nada, pois nada mais era puro e inconfundível. Valeria mais a pena deixar tudo ir embora, e, da mesma argila com que fora feita, criar novos amores, e jamais ousar criar dores e rumores. Pandora então liberou suas lágrimas, seus medos, e suas bonanças, seguranças e esperança; pegou uma porção de sua própria argila e começou a modelar... Mas modelar o quê? E como? Ela não tinha nem mais lágrimas pra umedecer a argila, e muito menos ideias, desejos, nada! Ela não tinha nada mais!!! Foi o bastante pra entender que os medos, as dores e as lágrimas estão num trabalho de parto não à toa. Nada nasce antes deles, e nada nasce sem eles. Pandora entendeu também por que é depois da tempestade que vem a bonança, e não o contrário - que essa ordem nunca se inverte - e tudo lhe fez sentido. Dói pra abrir, e dói pra fechar. Dói manter aberto e vazio, e dói manter fechado e retido. Tudo dói, e tudo faz molhar, mas dor não mata ninguém, e dor não seca a gente. Rumores podem virar verdade pra uns, mas morrer rumores pra outros. E amores têm a cara, e as maquiagens, que damos a eles. Dores são inerentes, rumores são intermitentes, mas os amores sempre serão tudo, porque os amores são permanentes!

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