~O Aniquilador de Prantos~
Sempre ao pôr do sol da última sexta-feira de cada mês, na praça da Torre do Curador... Era ali que a multidão, seca e emudecida, se prostrava diante do Governa-DOR. Era um homem sisudo e teso, autoridade máxima do povoado, o autoescolhido para lidar, sozinho, com o padecimento e suas consequências. Aquele que um dia, por decreto, aniquilou o pranto e o grito para impedir o povo de sofrer; e assim se tornou um herói, um verdadeiro Deus!
Cada um ali emanava mentalmente suas dores - fossem quais fossem - para que ele as chorasse e gritasse em seus nomes. Eram idosos, adultos, jovens, e até crianças, exceto bebês, que ficavam trancados no "cômodo do incômodo" - o porão onde esgoelavam sem serem ouvidos, pois, se ouvidos, seriam sacrificados por afronta ao poder do Governa-DOR; posto que só lhes era permitido chorar no momento em que nasciam, e nunca mais.
Em posição de sentido, e com olhos fixos na torre, a multidão o assistia ir do gemer ao soluçar ininterruptamente, até a noite cair totalmente e a escuridão reinar. Quando o silêncio retornava, as tochas das ruas eram acesas, e a figura do líder não mais podia ser vista. E todos seguiam às suas casas, onde mães alimentavam os bebês tratando de cessar suas sonoras revoltas. E cada um se preparava para o próximo ciclo.
Até que muito antes do novo pôr-do-sol, um choro forte, e especial, era esperado por todos. O trabalho de parto havia começado. A esposa real estava prestes a ter o primeiro filho, e seu choro ecoaria da Torre do Curador a anunciar a boa nova: eis o sucessor!!! Era certo que todos seguiriam incólumes. Não havia mais por que temer a morte de seu comandante-salvador, posto que não ficariam sem consolo.
...Mas as horas iam passando... A esposa real se contorcia na cama sem dar um gemido sequer... Cerrava os olhos, prendia o fôlego, rasgava os lençóis... Sem lágrimas, sem gritos, e sem sucesso... A dor a consumiu. Seu filho não saiu. Ela sucumbiu!
O choro forte que todos esperavam ouvir vindo da Torre não foi o que de fato ouviram. Todos ali se deram conta do óbvio: o Governa-DOR aniquilou os efeitos, e não as causas. Ele tornou interno e particular o flagelo, e não exatamente exclusivo seu. Ele não era um herói. Não era um Deus. Era um algoz!!! Era o juiz apocalíptico que sentenciou seu povo ao suplício silencioso, e, portanto, eterno. Um dita-DOR da Força Reversa, que obrigou todos a um esforço diário sobre-humano para reter a Dor dentro de si.
A dor do Governa-DOR, ali, era somente dele. Ele chorava e gritava por ninguém mais senão por si. E era o único a experienciar a maior de todas as dores: a Culpa. E quando o mais forte berra, os mais fracos se rendem... O que era pra ser só um choro, não foi um choro só. Todos os olhos se deixaram umedecer. Todas as bocas se abriam em gritos. E decretou-se, naturalmente, a Compaixão.
Naqueles dias seguintes, de luto oficial, o Condor, pássaro mensageiro do reino, sobrevoou cada casa a espalhar a nova carta magna, que assim dizia:
"Que se reaja, enfim, à Dor, e não mais contra ela. Pois o que dói, só dói assim por estar retido em uma cela. Se dói é porque tem de sair, e só para de doer quando sai. É deixar doer uma vez pra não doer mais... E estabeleço-vos a Paz!"
E foi então que o Governa-DOR tornou-se, simplesmente, o Desembarga-DOR!
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