domingo, 31 de maio de 2015

Entre um enxame de importantíssimas questões
(atenção: contem spoilers) 

O filme Entre Abelhas, roteirizado e protagonizado por Fábio Porchat, foi, pra mim, o filme nacional que faltava para equivaler a Quero ser John Malkovich no gênero-alternativo "abordar o banal de forma original"; pois o que faz um fato ser importante e atraente é simplesmente a maneira de contá-lo. 

No longa americano, o eterno desejo que o ser humano tem de viver a vida do outro, achando que esta é sempre mais fácil e mais prazerosa que a sua, é contado de uma forma tão diferente que, à época, a maioria das pessoas detestou, e só conseguiu adjetivar a obra como "sem noção", "ridícula", e afins. Com Entre Abelhas, li as mesmas críticas/expressões, mas não pelo filme como um todo, e sim, especificamente, pelo final. 

O público brasileiro ainda não está acostumado a finais abertos. Ele sempre pensa que "o autor não soube terminar, e aí fez essa M...". Brasileiro está acostumado a receber respostas, não a fazer perguntas. E este filme, do começo ao fim, é um enxame de questionamentos, para os quais, talvez, nunca tenhamos uma resposta exata. Mas a Filosofia há séculos nos diz que mais importante que a resposta é a pergunta, pois uma pergunta correta geralmente vem com a resposta embutida. É feito um eco perfeito, um bumerangue de radar preciso. Então, quem soube fazer as perguntas certas, e compreender as que o próprio filme fez, não precisou da plaquinha de the end.

Entre Abelhas fala da Depressão, do Isolamento ao qual se rende aquele que vê sua zona de conforto desfeita da noite para o dia, e os confrontos enfim acontecem... Conforto e Confronto: palavras tão parecidas, mas ao mesmo tempo tão antagônicas!... O filme mostra como é difícil mudar o foco, e quebrar paradigmas; e sobretudo o que acontece quando mudamos o foco e quebramos os paradigmas. E para tal, temas como a invisibilidade social, o machismo, e mesmo o descaso com o lado profissional (que geralmente ocupa mais da metade do nosso tempo de Vida) permeiam a trama corroborando sua temática. 

Cenas aparentemente sutis gritam como mensagens subliminares. No ponto de ônibus, o primeiro "invisível" que é visível ao público é um negro que pergunta a Bruno para onde vai o ônibus; e é uma senhora idosa que responde ao rapaz, já que o protagonista o ignora. Um negro e uma idosa: dois entes sociais altamente ignorados no dia-a-dia. Outro "invisível" que é visível para nós é o garçom, que Bruno diz, sem perceber que ele está ao lado pronto para serví-lo, que "por 300 reais, comeria até merda!". O motorista de táxi tenta ser cordial, pois sabe ele que seu passageiro é a parte mais importante de sua profissão, que deve ser seu foco; mas Bruno demonstra que ele não lhe é importante, fazendo-o, então, simplesmente "sumir". Só depois de se desfocar do celular (representação física perfeita da máxima individualidade no mundo moderno) e se voltar para o homem, é que ele percebe sua ausência. Outra sutileza interessante foi no consultório médico, quando o doutor diz à mãe de Bruno que ela só tem "gases", ignorando a queixa da paciente, deixando de examiná-la e assim diagnosticar o problema cardíaco que viria a vitimá-la. Descaso com a vida humana, que se reflete de inúmeras maneiras entre nós, espantosamente incluindo aqueles que juraram defendê-la. Descaso com os humanos que julgamos não significarem nada para nós é o arroz-com-feijão, o pão nosso de cada dia; e só quando nos sentimos assim, insignificantes para os demais, é que de fato faz-se a Luz...

Bruno se separa da mulher e volta pra casa da mãe. Seu melhor amigo, Davi, pensa que a solução do problema está em mergulhar profundamente no círculo vicioso tipicamente masculino: noitadas com mulheres, álcool e futebol. Além disso, Davi traz a Bruno os seus próprios problemas, deixando-o sem espaço para pedir socorro em solucionar seu drama, que parte do óbvio: entender minimamente o problema para encontrar a solução. Na boate, Bruno recebe de uma profissional do lugar uma atenção atípica, bem diferente da prevista, o que claramente chama a sua atenção; além de reparar numa cadeira vermelha que queria dar de presente à ex-esposa. 

É a partir daí, quando se vê desolado e desamparado, que o protagonista passa a perceber a ausência das pessoas. Começa justo aí a maneira original e interessantíssima de se contar o outro lado da moeda. Bruno passa, na verdade, a se ver jogando no outro time. Ele passa a sentir na pele a invisibilidade gerada pelo egocentrismo. Ele passa a se focar no Mundo ao redor, e percebe que este Mundo não está focado nele. Por isso que visível a ele, só os que têm algum papel em seu conflito. Ou seja, ele mesmo só é visível para estas pessoas em questão.

No consultório do médico, Bruno faz uma alusão às colmeias, afirmando que cada abelha já nasce sabendo sua função, mas que mesmo assim elas estão saindo em missão sem conseguirem voltar. Diz se sentir como essa abelha que se perdeu, que foi parar ali para não morrer, mas seu instinto mostra que tem de voltar pra lá. É uma metáfora perfeita para falar da Depressão, que é quando a pessoa não vê saída para um problema, não percebe que há Vida além da sua Zona de Conforto, sentindo-se perdida e confusa longe das Abelhas-Rainhas que o orientam e protegem. Por isso, após perder a mãe, e perceber que a mulher de fato não reataria a relação, Bruno chega à fronteira entre sua colmeia e uma nova capaz de absorvê-lo.  

A grande cartada, que prova isso, é só restarem visíveis ao fim a moça da boate, e ele mesmo, com o telefone dela escrito na testa. E quando ele a procura, todo o resto some, incluindo nós, telespectadores, num black-out onde nada mais se vê, e só o que se ouve é um "alô". A moça representa um recomeço, o retorno à colmeia onde a única certeza que se tem é que nada mais será como antes. Nada mesmo. É a razão de o "fim" não trazer nada mais que a última parte comum a todos nós. Depois daquele "alô", apenas ele, ela e novas abelhas... Eis a ideia central/solução: mudar o foco e seguir em frente. 

Quando o cartaz questionou o que a gente faria se parasse de ver as pessoas, antes mesmo de ver o filme eu me fiz a pergunta oposta: o que a gente fariam se começassem a VER as pessoas??? A reparar no mundo que nos cerca, e sobretudo entender que somos parte dele, e não o seu centro??? O que a gente faria se finalmente entendesse nossa função na colmeia??? Creio que, minimamente, não nos perderíamos mais! Depressão nada mais é que falta de um foco além de nós mesmos; de perspectiva; é sobretudo resultado da falta de autoconhecimento e de conhecimento do que nos cerca. Quem se enxerga bem, e sobretudo enxerga além de si é capaz de ver a quantidade inesgotável de colmeias e caminhos para se chegar até elas.
 
Maravilhoso ver que há vida inteligente na nossa colmeia. Vida capaz de guiar as abelhas que nunca sequer entenderam a sua função, ou aquelas que se perderam no meio do caminho. Sem abelhas não há polinização. Sem polinização não há Vida. Ninguém vive só, e ninguém vive à toa. Ainda bem que eu vivo para ver coisas assim...

quinta-feira, 21 de maio de 2015

"Os Dez Mandamentos da Arte de Atuar"
estrelando: Deneasy del Vecchio & Paulo Gorgulho




Nada é minimamente obra do acaso, é simples detalhe, ou um adereço qualquer. Nós quem não observamos atentamente, ou não sabemos interpretar. Bem... "Nós" os reles-mortais, porque alguns sabem interpretar como ninguém mais, fazendo tudo parecer tão fácil, e digno de toda a admiração do mundo.

No ar em uma novela literalmente divina (característica do que é excelente, santa e bela), que traz o que há de excepcional na dramaturgia brasileira, Denise del Vecchio e Paulo Gorgulho são a prova cabal disso. Ela carrega em seu nome a sonoridade, naquela considerada a Língua universal, do que é suave, descomplicado e acessível tamanha simplicidade e fluidez com que executa suas cenas. E ele traz grafado no dele o prazer que nos causa sua obra, tão bem descrita; e é tanta honra que até sobra escrita!

Talvez meus leitores de plantão, profundos conhecedores das minhas tão escancaradas preferências, dirão que só eu mesma para observar algo assim porque os vejo com outros olhos... Mas sejam os olhos que forem, nenhum par vê o que não existe, nem muito menos é cego. Eu vejo o que de fato há neles, e lamento por aqueles cuja visão não tenha este alcance!



Em Os Dez Mandamentos, obra-prima da Rede Record no ar de segunda à sexta às 20h30, Joquebede e Anrão, pais do protagonista Moisés, se reencontraram depois de mais de 30 anos afastados, num tempo onde o que dava a um a certeza de que o outro ainda estaria vivo a esperar era tão somente a Fé. Sozinhos em cena, esse dois operários da Arte deram tantas lições que, admito, levarei um bom tempo para simplesmente identificá-las, o que dirá absorvê-las; mas a mais intensa de todas é mais clara que as águas do deslumbrante "Nilo Chileno"... Talento é um calçado importante, mas é o percorrer da estrada que dá sentido à sua existência. Talento sem experiência é no máximo um belo calçado exposto na vitrine, porque, sim, é possível percorrer a estrada mesmo descalço, embora seja mais penoso; o que prova serem o Tempo e o disciplinado Exercer do ofício, estes sim, os elementos fundamentais no sucesso em qualquer carreira.

Mas mesmo sendo uma lição tão simples, e tão admirável assim, ainda tive direito a uma aula de revisão. A cena em que Anrão e Joquebede, ao lado da filha Miriãn (a linda Larissa Maciel), recebem Moisés (o igualmente lindo Guilherme Winter) no meio da noite, revelando saber enfim toda a verdade, foi, proporcionalmente falando, uma tese de Pós-Doc. Dois jovens atores singularmente imersos no mesmo plano (e não me refiro ao enquadramento de câmera) daqueles que desbravaram tantos caminhos antes deles - o que os proporcionou a chance de estarem hoje onde estão. Mestres e Alunos jogando de igual pra igual. E quem ganha esse jogo? Nós, os telespectadores.



Em qualquer profissão, bons profissionais trazem glamour às suas atividades, conquistam aqueles que serão seus seguidores, que darão continuidade a um trabalho de suma importância. No caso desses grandes atores, não somente a sua profissão é exaltada, mas uma gama de outras que conjuntamente formam este universo da interpretação. Não à toa, elegi esse casal para tão bem representar esse contexto brilhante que é esta novela. Autores, diretores, continuístas, cinegrafistas, editores de som e imagem, cenógrafos, figurinistas, cabeleireiros e maquiadores, contrarregras, figurantes, todos condensados naqueles que diante da câmera personificam as Emoções... Emocionante por si só!



E não à toa elegi também esse casal como meu exemplo de excelência. Sou fã deles por motivos óbvios. Eis uma tarefa fácil e admirável, aliás, é quase uma obrigação! Aos dez anos, conheci Denise; e aos doze foi a vez de Paulo. E desde então nunca parei de seguí-los. Ela por tantos anos foi minha Olívia, a Fera-no-que-faz, pra quem escrevi tantas cartas que nunca saíram de casa, e uma que se perdeu no caminho. E ele pôs em cheque minha paixão platônica (que até hoje perdura) por Almir Sater. A Fera me mostrou a deliciosa contradição que é passar anos a escrever, escrever e escrever sobre "a falta de palavras para expressar o que se sente". E a dupla Zé Lucas de nada e Trindade provaram que uma menina de 12 anos pode não só amar, como se ver dividida entre duas paixões. Como é delicioso começar cedo a perceber e vivenciar as melhores coisas da Vida.



Para narrar o poder do Céu sobre a Terra, não dava mesmo para ser através de uma Constelação melhor, afinal, melhor que essa certamente não há. Eles me emocionarem já é lugar comum, embora jamais será algo banal. E sim, eles deixam Humphrey Bogart e Ingrid Bergman perdidinhos no deserto, coitados! ... Que mané "Amor interrompido em Paris" o quê! Coisinha mais xôxa, sem sal nem açucar! História linda de Amor(es), mesmo, é essa, que traz, entre tantas coisas, suavidade e orgulho em dose dupla.

Baruch HaShem Adonay - Bendito seja Deus!

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