domingo, 14 de dezembro de 2014

~Uma noite na Cassi-Caverna~ 
 
Quem me conhece bem, sabe da minha fobia de morcegos, e, consequentemente, meu horror por cavernas, e sua obscuridade demoníaca; e igualmente sabe da minha paixão pela Arte, em especial o Teatro, e como eu me sinto em transe quando entro nele. Assim, jamais imaginei que entraria num teatro e me veria/sentiria numa caverna "transilvânica", uma vez que nunca, jamais, em tempo algum, pagaria para assistir a uma peça do Batman. Aliás, nem mesmo de graça. Pois já me bastam as festinhas de sobrinhos, cujo tema, entra ano/sai ano, é sempre esse.

Mas eis que programo meu sábado para ser mais um dia CCBBendo na Fonte da Arte, e arrisco na fila de espera por um ingresso para "Cássia Eller, O Musical". E depois de uma longa espera, a recompensa! ... Recompensa??? ... O cenário era uma nefasta caverna, escura, amedrontadora. Onde cada ponto preto em destaque, na minha cabeça, se tratava de um morcego pendurado, repousando, aguardando apenas o momento de voar na minha direção. Enfim, não conseguia fixar os olhos na "obra", e agradecia a Deus pela presença da minha amiga Silvana (mesmo seu nome me lembrando a Transilvânia), para evitar que eu desse qualquer vexame.

"Ok, eles vão contar a vida de Cássia de trás pra frente, né? Vão começar pela morte, vão falar das drogas, e depois a coisa ameniza, né? Vão acabar com essa palhaçada de caverna escura, né? Isso é apenas simbólico, e momentâneo, né?!", essa era eu, enlouquecida, repetindo como um mantra, na tentativa de me acalmar... O terceiro sinal soa, as luzes da plateia se apagam, a banda começa... E o que já era obscuro, ficou mais ainda. Não resisti: fechei os olhos, preventivamente, pois vai que, né?... Mas ao primeiro som da voz de Tacy de Campos, entoando Lanterna dos Afogados, meus olhos descolaram, e, como num passe de mágica que só o Teatro é capaz de oferecer, não havia mais caverna que me assombrasse, mesmo me sentindo diante de um "fantasma". A semelhança física e vocal de Tacy com Cássia, só isso, já era delirante. 

Fui esperando ver um musical em todas as suas características, mas se aquilo ali se resumisse num simples show cover, por mim, estava excelente. Porque sempre amei o repertório de Cássia, sua voz, mas nunca tive a oportunidade de ver um show seu ao vivo, e ali senti que estava em um show dela, dela mesma, não de uma cover.

Mas eu vi, sim, um musical. E um musical excelente. Intimista, simples, e sobretudo focado, o que foi seu ponto forte. O que mais, ao meu ver, é capaz de estragar um musical é a tentativa insistente de muitos em querer contar t-u-d-o da vida do biografado. Por pura questão de tempo, isso é impossível. É um tiro no pé. A coisa vira uma colcha de retalhos sem sentido, cheia de falhas, principalmente no ritmo; e o espectador sai de lá cansado e confuso. Em "Cássia", a narrativa se atem entre seus 18 anos e sua morte aos 39. É claro que em 21 anos, muita coisa relevante se passou com ela, e muita coisa que valeria a pena ser retratada, mas ainda bem que Patrícia Andrade soube exatamente o que contar, e, o mais importante, não maquiou o comportamento de Cássia - um erro apontado pela crítica em "Elis, a musical", também escrito por ela. Patrícia não tentou vender uma Cássia que não existia, ao contrário: foi aí que entendi, exatamente, o porquê da caverna!

Cássia era uma artista altamente introspectiva, tímida, com profundos conflitos, dependências emocionais, voltada para si e suas vontades mais profundas. Ela vivia numa caverna! Tanto que sua maior dificuldade na carreira foi ter de lidar com o lado de fora. O pacote da fama, que trazia invasão de privacidade, excessivas conversas com a imprensa, regras que tantas vezes a impediam de ser como queria e de estar com quem queria; foi o que quase a fez desistir de tudo por várias vezes. E essa cobrança de viver fora da caverna a fez - pelas drogas, puladas de cerca, e etc - urgir em voltar-se cada vez mais para lá, até conseguir mergulhar de vez em outra, cuja profundidade saberemos um dia, mas, por enquanto, apenas imaginamos!

Um musical que focou nos atores/cantores. A protagonista não é atriz, mas suas limitações não comprometeram o produto final. Até porque, ela estava cercada de um elenco excepcional, que puxou pra si, com maestria, a carga teatral dramática, deixando para Tacy o que ela, inegavelmente, foi fazer ali, e muito bem: cantar. Mas mesmo assim, Tacy não deixou de atuar além dos números vocais. Ela ousou em cenas difíceis. Esteve num ménage à trois, em bebedeiras, em rodas de maconha, em inúmeros beijos e amassos, pôs os peitos de fora, e fez o público rir em várias "tiradas" curtas e grossas, bem típicas da cantora. Ela tem muito mérito, assim como todo o elenco. 

Cássia vivia numa caverna, mas não curtia ficar sozinha ali. Ela gostava de convidar seu público para partilhar dela. Tanto que as cenas entre Tacy e Emerson Espínola, interpretando Nando Reis, são as que melhor retratam quem era Cássia Eller, sua visão da própria carreira, e de como desejava conduzí-la. É o momento mais íntimo do espetáculo, que o público não resiste e canta junto, como numa rodinha de samba entre poucos amigos embaixo de uma árvore durante um pique-nique, sabe? Aquele momento onde o tempo para, o mundo que se dane, pois tudo o que se quer fazer é cantarolar canções que nos descrevam, ao som de um violão. 

Uma atmosfera tão leve, e tão convidativa, que daí até o final, o público parece não querer mais sair da caverna (se eu senti assim, acredite, a coisa é forte e real!). Tacy invade a plateia, coloca o povo pra cantar junto; depois encena o rock-in-Rio com riqueza de detalhes; e quando chega a hora do ato final, de sua prematura partida, o apagar das luzes se tornam na verdade o acender delas. No palco, os atores entoam "O Segundo Sol" enquanto só o que se vê é sua cadeira vazia, iluminada... 


Emblemático, profundo, emocionante, e calcado na simplicidade. 2h30min, 34 canções, e eu me sentindo feliz dentro de uma caverna! Este é meu resumo de "Cássia Eller, o musical".

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