quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

~ de apelido "Roda-Viva" ~

(ATENÇÃO: contém Spoilers)


Se alguns infernos fossem mesmo provisórios, tudo seria mais fácil. E se alguns redemoinhos um dia se dissipassem de fato, também. Mas nem todo inferno é provisório, e alguns redemoinhos são mais que rodas-vivas: são rodas eternas.

O filme Redemoinho, de José Luiz Villamarim, com um elenco estelar, foi inspirado em contos do livro Inferno Provisório, de Luiz Rufatto; mas a mim, me pareceu uma transposição pro cinema da música Roda-Viva, de Chico Buarque de Holanda, onde só sua primeira estrofe resume tudo: tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a Roda-Viva, e carrega o destino pra lá! 

Os amigos Gildo (Júlio Andrade) e Luzimar (Irandhir Santos) passaram anos sem se verem. O primeiro se mudou pra São Paulo, ficou bem de vida, enquanto o segundo ficou em Cataguases/MG vivendo uma vida bem simples. Até que na noite de natal, eles se reencontram e percebem que, perto ou longe, em uma cidade grande ou numa província, o fantasma de quem partiu/morreu os estagnou - cada um a sua maneira - e ainda os assombra. Ambos tentaram deixar o passado realmente pra trás, mas o Redemoinho que os engolia só então fora percebido por eles. O tempo rodou num instante! E, como em toda roda, tudo volta ao ponto de partida. 

A dinâmica de um redemoinho foi a mesma de seu roteiro. Um redemoinho centraliza tudo, sugando e prendendo as coisas ali, mas sem deixar de mostrar o quadro amplo de suas bordas e meandros geradores dessa força centrípeta. Gildo e Luzimar são o centro da tragédia que vitimou Marquinhos, que enlouqueceu seu irmão, Zunga (Démick Lopes), e que estagnou a vida da mãe deles, Bibica (Camilla Amado). São também o centro da solidão de Dona Marta (Cássia Kis Magro), mãe de Gildo; da mudança de vida de Toinha (Dira Paes), esposa de Luzimar; e também da vida de Hélia (Cyria Coentro), irmã de Luzimar, e o grande amor de Gildo. E com a trama centrada neles, os demais se desenvolvem de uma forma bem peculiar: seus enredos são contados com excessiva presença de sons e imagens que atuam como sub-textos e mensagens subliminares. Sim, a fotografia e o sonoplastia são narradores secundários extremamente importantes na história. O trem, por exemplo, sempre passar quando é preciso quebrar os silêncios, e também em momentos de conflitos, amplificando seus "barulhos". O rio, a chuva e a ponte assumem a narrativa em flash-back de Marquinhos, Bibica e Zunga; enquanto a apatia, as caras e bocas, e as poucas palavras (em outras palavras, o talento absurdo de Cássia e Dira) assumem os destinos de Dona Marta e Toinha...Todos os elementos do filme são narrativos, e tudo converge para Gildo e Luzimar, mesmo parecendo ser Zunga o olho deste furacão, a "carregar a loucura de todo mundo nas costas", e só querer "ser normal de novo". 

Em redemoinhos não há reviravoltas, não há controle, há entradas, mas não saídas, e sobra tensão. E é nessa tensão constante que o expectador é mergulhado, e só não sucumbe de fato porque as levezas humanas, tão presentes neste roteiro, são o bálsamo que o mantém respirando na superfície - e ensinando que um redemoinho não necessariamente significa uma sentença de morte para todos os capturados por ele... Um filme que vale muito a pena!

Maria Eduarda Novaes

2 comentários:

  1. Uau! Gostei muito. Um redemoinho (uma rede? um moinho?) é um enorme paradoxo. Talvez seja a única imagem de um movimento que é também estagnação. Lembro de Riobaldo (e de Titia Luzia) que o chamava(m) "redemunho"... "O diabo no meio do redemunho". Bela leitura desse redemunho fílmico!

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