sexta-feira, 18 de março de 2016

~SÍNDROMES POÉTICAS~

Há síndromes que só acometem Poetas! Uma delas é a Síndrome dos Dedos Engasgados. É quando o Poeta até sabe sobre o que precisa escrever, mas os dedos não o ajudam a colocar cada palavra em seu devido lugar. Os dedos engasgados repetem seguidamente as mesmas palavras, cortam letras, borram as pontuações, e não registram qualquer acentuação gráfica; não permitindo assim que o Poeta se expresse como deve, resultando num enigma praticamente indecifrável. Essa é uma síndrome autoimune. O Poeta com dedos engasgados quando lê sua produção passa a julgar que nem ele mesmo sabia o que queria dizer, e entra num processo autodestrutivo, no pior sentido "bola de neve". A outra síndrome, também muito comum, é em base totalmente antagônica. Trata-se a Síndrome dos Dedos Soltos. Nela, o Poeta acometido escreve sem parar, abusa dos sinônimos, e liga um assunto no outro, confessando mil amores em um só poema, e matando mil dores num poema Só. E é só após este ataque de verborragia que enfim entende o que se passava com ele. Há Poetas que sofrem das duas síndromes ao mesmo tempo. Dedos engasgados para a Dor, mas soltos para o Amor, ou vice-versa. Porque não importa quem é titular no peito e quem é vice. O que importa é que, bem ou mal, por tudo ele versa.

quinta-feira, 3 de março de 2016

~O Plagiador de Pensamentos~ 


Era mais um dia de acasos programados. Fazia muito frio lá fora, e "já que os anjos não podem voar, não me arriscarei a sair", dizia ele. Em dias de temperatura abaixo de 10ºC, era imprudente estar longe do fogo da lareira e das grades das janelas; e aquele que saísse, não poderia chamar de fatalidade o que lhe viesse a acontecer. Mas enquanto a lareira o aquecia, e as grades o mantinham a salvo, ele não descansava a mente. Era o dia mais propício para se plagiar pensamentos. As pessoas geralmente não sabem que estão desprotegidas, e seguem com o cérebro a mil, emanando ideias, conceitos e, sobretudo, segredos; mas sem os arranjos dos arcanjos a abafar os ouvidos alheios, ao menos ele se tornava capaz de tudo ouvir. Assim, uma ideia genial passava a ser sua, um conselho qualquer lhe caía como luva, um xingamento forte o atingia em cheio, e era fácil descobrir quem de fato gostava dele, e quem apenas mentia a torto e a direito. Era um superpoder do qual ele se orgulhava, mas não alardeava por razões fortemente óbvias. 

Por algum tempo, foi difícil filtrar as tantas coisas que chegavam de uma só vez. E ainda era preciso educar seus pensamentos e não deixá-los se misturarem aos recebidos, posto que tinham, apenas, de maquiar e moldar os novos para então lhe pertencerem legitimamente. Mas dominadas estas habilidades, o desejo principal fora o de ajudar a polícia a capturar os bandidos que agiam nas redondezas, ao desvendar seus crimes. Só que aquela era uma comunidade de pecados leves. Ele mesmo sabia que sua invasão de intimidade era a maior transgressão a qual o vilarejo estava exposto. Uma bênção e uma maldição que jaziam no mesmo lugar. 

Antes de dormir, escrevia todos os pensamentos que lembrava em um caderninho antigo, de capa de couro, feito por seu pai; dando seu toque final, criando os próprios segredos com cada uma das palavras que roubara de cada um daqueles silêncios. Assim, ele garantia, "aquele que achar este tesouro, jamais achará que este tesouro é seu".

Até que em uma noite de verão, revendo seu diário de cabeceira, percebeu que a senhora da esquina da rua quatro, aquela sempre disposta a ficar exposta a todos os perigos, todos os dias, nunca havia emanado um pensamento sequer. Será que ela em nada pensava, ou será que só ela era protegida mesmo em tempestades gélidas? Na nevasca seguinte, ele amanheceu sem ouvir som algum. Se desesperou. Pensou no que poderia ter feito de errado para perder seu dom. E descobriu que a resposta era justamente o que ele NÃO fez: ele não ouviu a moça, e sequer havia se perguntado o porquê. 

Ele vestiu-se da esperança de que naquele dia em questão os anjos estivessem voando por ali, e por isso ele não ouvia nada. E foi confiando nisso que ele partiu pelas ruas em direção à moça exposta, pois fosse qual fosse a razão do silêncio, nela estava a resposta. Chegando perto, só um cobertor preto sob outro cobertor branco se destacava. Nenhum som, nenhum movimento.

_ Não a descubra, senão ela morre, tal como eu! 

Aquele não era um pensamento. Era um sussurro trêmulo que vinha de debaixo do banco. Era um grito de socorro de quem estava descoberto de corpo e espírito, mas que sobrevivia graças a um coração quente. Diante de sua lareira, aquele pobre homem mal se movia, e dava-lhe a certeza de ser mesmo incapaz de pensar.

Sem suas fontes, o plagiador se consumia, exausto, em seu próprio juízo. Por que parou de ouvir? E seria capaz de voltar a ouvir algum dia? 

_ Obrigado por salvar minha vida! O Senhor é um Anjo!

...E foi assim que ele entendeu que só ouviu de verdade no dia em que parou de ouvir.

quarta-feira, 2 de março de 2016

O CULTO E A OCULTA
(ou ~A Culta e O Oculto~)

Quando você entrou pela janela, eu estava desprevenida! Minha Alma estava nua, paralisada e em preto e branco, sem sequer saber o que é uma aquarela. Quando você pintou o chão, as paredes e o teto, eu estava deprimida! Minha carne estava crua, gelada e escorada num barranco de sequelas. Quando você se refletiu no espelho, eu estava escondida. Minha face estava em outra rua, vendada, e levando tranco; sem ouvir qualquer conselho e sem nenhuma cautela. Mas você não desistiu de (me a) tentar, de me cantar à capela...

Quando você enfim me tocou o rosto, acordou o meu oposto e fez minha máscara se estilhaçar. Quando você sussurrou-me aos ouvidos, acionou os meus gemidos, educou minha libido, e me fez regalar. Eu só tinha uma única lágrima, que achava tão comovente... Até que você veio feito um mar, e mudou a minha enchente - e me ensinou a nadar a favor da corrente... ... ...

Você veio Amar bem no meio da minha nascente!!!

Ah, seu indecente! Contra minhas provações, trouxe provocações, e até provocou acidentes - ora oculto, ora um viscoso vulto que me atropela. Você vive num campo distante, num reino a parte; sei que não pode estar sempre aqui, então, encontrei uma maneira de sempre te ver... Sem fotografias, fios de cabelo, cheiros no canto da cortina, ou brisas no alvorecer. Não preciso deter sua saída, nem reter a mínima porção, não é preciso qualquer artifício, pois a maior lição que me fez aprender foi dominar o ofício de PARAR DE TE ESQUECER