FLORES infelizmente RARAS
Não sou cinéfila por prazer, somente; mas
também por obrigação. Como atriz e escritora, quanto mais eu tomar como exemplo,
melhor! E se o exemplo for o melhor possível, então... Se você tem preconceito contra a
homossexualidade, não veja FLORES RARAS. Perca cenas de
sexo brilhantemente coreografadas por duas grandes atrizes, e tudo o mais que
elas e todos naquela película te proporcionariam pelos “curtíssimos” 116min. Há
tempos eu não via um filme que acertasse em tudo, de A a Z. Da Autoria ao
Zé-da-Claquete, nada ali falta, nem muito menos sobra. E já que tudo funciona,
vou me limitar a falar da melhor parte: GLÓRIA PIRES. Essa cidadã chegou a um
nível que ela não mais interpreta, ela humilha! Ela não nos provoca mais uma
catarse, ela nos abduz completamente. É esplendoroso ver uma atriz completamente
despida, não apenas de roupas, mas, sobretudo, de limitações - onde nem sequer o idioma é uma barreira. Vê-la se entregando
a uma personagem sem julgá-la, sem moldá-la, é um deleite especial. Ela
simplesmente se doa, se empresta de um jeito, que chega a parecer uma “incorporação”. Certa vez,
ao dirigir a novela Anjo Mau, Carlos Manga foi perguntado “como é dirigir Glória
Pires?”, e ele deu uma resposta fantástica: “Simples! É só ficar calado pra não
atrapalhar!”. Ele resumiu perfeitamente, pois a gente é meio que levado a ficar
estatelado, só admirando. Miranda Otto, a linda e talentosa atriz australiana
que contracena com Glória, tem todos os seus méritos (e muitos), mas é
impressionante o quanto nas cenas entre ela e Glória, ela rendia ainda mais.
Assisti com uma amiga que confessou não curtir homossexualidade, disse que fechou
os olhos, e me perguntou se eu achava realmente necessárias as
cenas íntimas. Óbvio!!! Seria um filme amputado se só as subentendesse; ou se a
câmera desviasse na hora e começasse a filmar a vela – como aconteceu em outro
filme com Glória, O Quatrilho. As cenas são inteiramente contextualizadas, e só
chocam quem realmente já está predisposto a se chocar (pode crer, amigo, se você
tem mais de 10 anos de idade, perceberá que já viu inúmeras cenas de sexo hétero
bem mais tórridas que estas). E a prova maior dessa necessidade, pra mim, é a
diferenciação clássica que se faz entre as relações de Lota e Bishop, e de Lota
e Mary. Essa, a própria personagem de Lota diz que se tornaram “roomates”
(apenas amigas). Elas – as cenas - começam na hora certa e duram só o tempo que
devem; e não se sobrepõem ao texto. Porque, sim, o filme tem texto! E ele é
recheado de diálogos profundos, que narram conflitos internos e externos. E de
quebra, como um bônus, ainda nos presenteia com paisagens bucólicas de encher os
olhos. Como atriz e poeta, confesso: é orgásmico ver a realidade e a ficção me
ensinado. Aprendo com as atuações, e dentro da ficção foi interessante ver o
processo criativo de Bishop, mostrando que não sou assim tão diferente dela. Eu
também escrevo deitada no chão, aos rabiscos e amassos de papel, falando com as
árvores, com os bichos, dialogo com meu silêncio e narro para mim mesma as
minhas tantas histórias de amor. Ah, sim, o amor muito inspira. Não há mente que não
destrave diante da paz de um amor que nasce e cresce em meio ao canto dos
pássaros, sob a companhia de um gato de rua, e mesmo ao som do choro de uma
criança que não se sabia querer... Esta história mostra que o Amor é perfeito, a
gente é que se esforça em estragar, primeiramente com rótulos, mas ainda com
ciúmes, possessões, egoísmos, bebedeira, e crises de meia idade... Reunir em uma só produção tantas flores diferentes e conseguir formar um jardim homogêneo assim é algo realmente raro. Um filme pra
se ver umas 25 vezes, no mínimo! Que bom que ainda me faltam 24 (ou
mais)...